Pataniscas Satânicas

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O que é a Consciência Animal - Parte I

De que maneira o nosso cérebro é semelhante ao dos outros animais? Como e porque é que evoluiu a Consciência? O que é a Consciência Animal?

Vamos falar sobre isso!


Para os de vocês que são picuinhas e gostam de coisas como "contexto", este artigo vem na sequência dos que escrevi acerca da Consciência Humana. Recomendo vivamente que o leiam, dado que muitos dos conceitos neste artigo são apresentados e explicados mais detalhadamente nesses, e vou tentar não me repetir muito.

De qualquer modo, aqui ficam as coisas importantes:

Apesar de qualquer um de nós perceber quase imediatamente e intuitivamente o que é a Consciência, defini-la é bem mais complicado. Nos artigos anteriores usei a seguinte definição:

Consciência é o estado mental que permite não só percepcionar subjectivamente a informação que chega do exterior através dos sentidos, mas também percepcionar estados internos como emoções e ideias, e integrar toda essa informação numa experiência fluída de pensamento interior caracterizada por um sentimento de "eu" que permite interpretar, aprender e interagir com o mundo.

Adicionalmente, podemos dividir a Consciência em Consciência Primária e Consciência Secundária (ou, em linguagem filosófica, Consciência Fenomenológica ou Consciência de Acesso).

Basicamente, a Consciência Primária é aquela que nos permite sentir e perceber subjectivamente a realidade presente à nossa volta. É a consciência das sensações imediatas, como as cores, as temperaturas, a dor, ou a sede, por exemplo. Está intimamente ligada a estruturas cerebrais sub-Corticais (que não envolvem o Córtex) como o tronco cerebral, o sistema límbico e o tálamo.

A Consciência Secundária é aquela que nos permite pensar sobre essas sensações. É o que nos permite planear e lembrar e construir ideias abstractas na nossa cabeça, termos uma sensação de "eu" e pensarmos sobre pensar.  Está intimamente ligada ao Córtex cerebral e especificamente ao Córtex Pré-frontal.

Pronto, agora podemos começar.

Eu, face a toda a informação acerca deste assunto, que eu não fazia ideia que existia
A primeira coisa que temos de reconhecer, é que o nosso cérebro não é assim tão diferente do cérebro de outros animais.

Apesar de serem muito diferentes em tamanho, número de neurónios e até aspecto, todos os vertebrados partilham os mesmos neurotransmissores e neuromoduladores, e as estruturas básicas do cérebro - medula espinal, romboencéfalo (medula oblongata, ponte e cerebelo), mesencéfalo e prosencéfalo - estão presentes consistentemente em todas as espécies de vertebrados.

Adicionalmente, várias das características neurológicas que associamos à consciência nos humanos estão igualmente presentes nos animais:

  • actividade neuronal em electroencefalograma em frequências de 20-70 Hz
  • complexos circuitos neuronais de reentrada córtico-talâmica que se activam de forma sincronizada
  • activação generalizada do cérebro ao processar estímulos (não apenas as zonas especificamente relacionadas com o estímulo)
  • mapas de localização espacial centrados no indivíduo

No entanto tudo isto são só correlações neurológicas, e não são propriamente evidências directas a favor da presença de consciência.

É lógico assumir que quanto mais semelhante a nós um animal seja, maiores serão as semelhanças entre as nossas consciências.

Vamos então ver, animal a animal, que aspectos podem indicar a presença de uma consciência semelhante à nossa.



Temos de começar por perceber porque uma coisa como a Consciência teria sequer evoluído em primeiro lugar.

Na segunda parte do artigo sobre Consciência Humana dissemos que a Consciência Primária ajudava os organismos a planearem comportamento adaptativo num ambiente complexo e mutável, o que era uma enorme vantagem evolutiva.

Mas de que maneira é que isso, na prática, se manifesta nos animais primitivos na qual teria evoluído em primeiro lugar?

Como já dissemos antes, começámos começámos todos por ser tubos. Estes tubos tinham sistemas nervosos não-centralizados, cujos neurónios se organizavam em redes nervosas largamente independentes umas das outras e responsáveis só por uma porção autónoma do corpo do animal.

No caso dos animais radiados, como as alforrecas, há uns neurónios responsáveis por fazer contrair a túnica, outros neurónios responsáveis por fazer contrair as células do sistema digestivo, e outros neurónios ligados àquele único receptor foto-sensível capaz de distinguir entre a luz e a escuridão.



Os comportamentos destes animais primitivos, que pouco mais eram do que autómatos orgânicos, limitavam-se a "nadar" e "comer", portanto na realidade não era preciso mais do que estas redes nervosas para coordenar isso tudo.

No entanto, para qualquer coisa mais complicada do que uma minhoca, que tenha pernas e cabeça e com mais do que um sentido, já começa a ser complicado coordenar as partes todas do corpo de forma integrada. As redes nervosas já não são capazes de dar conta do recado.

A primeira proto-consciência primitiva teria sido uma solução para este problema logístico neuronal.

À medida que estes vários sistemas de neurónios se começaram a centralizar e a complexificar, emergiu dessa complexidade uma plataforma representacional integrada. Uma espécie de programa que gerisse uma data de problemas, que os neurónios sozinhos não conseguiam, e que incluíam
  • manter uma estabilidade das percepções do meio contra a interferência dos movimentos gerados pelo próprio corpo
  • integrar as percepções dos movimentos do corpo e as percepções das necessidades básicas do corpo (temperatura, sede, fome)
  • permitir a tomada de decisões, ignorando pormenores sensoriomotores irrelevantes
Esta primeira proto-consciência teria evoluído nos primeiros animais vertebrados, e, como tal, teria depois sido transmitida a todos os outros descendentes desses primeiros vertebrados.


Vamos então começar a falar de Vertebrados, e para isso vamos começar com os Peixes.

Há estudos que demonstram que os Peixinhos Dourados (a quem habitualmente atribuímos memórias curtas, e guardamos em aquários minúsculos) são capazes de se orientarem em labirintos com base em indícios visuais.
Isto permite que consigam escolher a trajectória mais curta até ao fim do labirinto, mesmo que comecem num lugar onde nunca tenham começado antes.
Isto é evidência de que os peixinhos dourados são capazes de ter uma representação abstracta do seu meio, independente de um sistema de referência centrado neles mesmos.

Peixes que vivem em cardumes são capazes de usar pistas visuais e odores para distinguirem sofisticadamente os outros peixes no cardume, o que sugere que são capazes de reconhecer a individualidade.


Os ciclídeos frequentemente lutam entre si para estabelecer uma espécie de hierarquia social. Quando um ciclídeo observa a luta entre outros dois indivíduos, é capaz de perceber quem é que ganhou, e depois aproximar-se do ciclídeo que mais se aproxima de si mesmo.
Isto significa que não só têm memória de longa duração, como são capazes de se julgar a si mesmos em relação aos outros e de fazer inferências acerca da sua posição na escala social.

Estas evidências, outros estudos, bem como a semelhança das suas estruturas cerebrais às de outros vertebrados mais complexos, sugerem que alguns peixes possuem não só uma Consciência Primária, mas também alguma forma de Noção de Eu.


E pronto!

Por hoje já chega!

Não percam a Parte II de O que é a Consciência Animal, na qual falarei de Anfíbios, Répteis, Pássaros e Macacos (e talvez até Invertebrados).

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