Pataniscas Satânicas

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terça-feira, 27 de outubro de 2015

Constantinopla (não Istanbul)

Há lugares destinados a serem cidades.

Quase sempre ao pé do mar ou de um rio, frequentemente lugares férteis, habitualmente com ligações a rotas comerciais importantes, muitas vezes em localizações fáceis de defender.

A cidade grega de Bizâncio era tudo isso ao mesmo tempo.

Para começar estava localizada na foz do Corno de Ouro, um estuário de vários rios e um espaçoso porto, e no clima ameno do Mar Mediterrâneo.

Mais importante que isso, Bizâncio estava localizado na abertura Sul do Bósforo que é o canal mais estreito do mundo usado para comércio internacional, com cerca de 30km de comprimento, que consegue a proeza de não só ligar o Mar Negro ao Mediterrâneo, também é o ponto de passagem mais fácil entre a Europa e a Ásia.


Provavelmente por esses motivos todos, e porque Roma estava cheia de políticos corruptos, longe dos exércitos e demasiado próximo dos bárbaros vindos do norte, o imperador romano Constantino I decide que Bizâncio seria o lugar excelente para a nova capital do Império Romano.

Constantino I estava a planear a oficialização do Cristianismo como religião oficial do Império Romano, e para isso precisava de uma nova capital onde pudesse começar de novo.

Em 324 AD Constantino funda Nova Roma no local da antiga cidade de Bizâncio, ordenando a construção de uma cidade com arquitectura abertamente cristã, com igrejas dentro das muralhas da cidade e, mais importante que tudo isso, sem templos a outros deuses.

A cidade dura 6 anos a ser construída, e é consagrada em 330 AD com o nome Constantinopla, em honra do seu fundador.

O mapa mais antigo de Constantinopla, de 1422 AD
Em 395 AD, depois da morte do Imperador Teodósio I, o Império Romano é dividido em dois, o Império Romano Ocidental, que fica para o seu filho Honório, e o Império Romano Oriental que fica para o seu filho Arcadius.

Divisão do Império Romano após a morte de Teodósio I em 395
Nas décadas que se seguem, as constantes invasões dos bárbaros do norte, a má gestão económica e uma sucessão de líderes corruptos enfraquecem irreversivelmente Roma, e no ano 476 a sua última capital é capturada por bárbaros germânicos e o seu último líder é morto.

É o fim do Império Romano. As luzes da civilização da Europa apagam-se.

O fim?

Não.

O Império Romano Oriental perdura, com a sua capital em Constantinopla, mantendo-se como o principal foco da Religião Cristã e repositório de cultura e ciência durante mais mil anos.


A cidade repele várias invasões, incluindo Átila o Huno, sendo conquistada apenas duas vezes. A primeira no ano 1206 pela Quarta Crusada, e pela segunda e definitiva vez em 1453 pelo Sultão Otomano Mehmet II.

A partir dessa altura Constantinopla passa a pertencer ao Império Otomano. Em 1922 o Império Otomano é dissolvido após a Guerra da Independência Turca, na qual o Movimento Nacional Turco, liderado por Mustafa Kemal Ataturk, vence.

Em 1930 Ataturk decide mudar oficialmente o nome da cidade para Istanbul, o seu nome grego arcaico, numa tentativa de se desligar das conotações europeias do nome Constantinopla.

Mapa Otomano de Constantinopla, 1493
Eu estive em Constantinopla este fim de semana passado.

Sim, a cidade chama-se Istanbul, e é uma cidade claramente islâmica. Vêem-se bandeiras com o símbolo do Islão por toda a parte, há mesquitas por todo o lado.

Grande Bazaar
Mas foram inúmeras as vezes que eu senti que estive na cidade romana de Constantinopla.

A igreja Hagia Sophia, um dos principais templos cristãos da antiguidade, mandada construir pelo Imperador Justiniano I, domina a cidade.

É um edifício com uma arquitectura fascinante, transportando-nos para um momento tão antigo da cultura europeia que é difícil de imaginar.


Estive ao lado da Coluna de Constantino, no actual bairro de Çemberlitaş. O Imperador Constantino I mandou construir a coluna para celebrar a fundação de Nova Roma em 330 AD.

Ainda lá está a coluna. Eu estive ao lado dela, 1685 anos depois de ter sido construída.


Encontrámos o Milion, o marcador a partir do qual todas as distâncias eram medidas no Império Romano, construído pela mesma altura.


Estive na Cisterna da Basílica, a maior das muitas cisternas subterrâneas de Istanbul, mandada construir pelo imperador Justiniano para guardar a água potável da cidade.

É  um espaço subterrâneo enorme, com um tecto abobadado, suportado por mais de 300 colunas.

Duas dessas colunas têm na sua base cabeças de medusa, provavelmente aproveitadas de outros templos romanos da localidade. 



Já há anos que leio acerca dos romanos, do cristianismo, da importância que estas coisas tiveram na nossa cultura. 

Nunca fui à cidade de Roma, mas sinto que tendo estado em Constantinopla estive mais perto da Roma Antiga do que se tivesse passeado pelo vaticano.

É uma sensação difícil de descrever, estar ao lado desse tipo de antiguidade. É uma mistura de fascínio maravilhado com o peso intimidante de séculos de história a espreitarem atrás de cada pedra. 

Deixo-vos com o grupo musical They Might be Giants, a interpretarem a música tema deste post.

Uma salva de palmas para eles. 

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