Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Fins de tarde pretensiosos em Agosto

O eco de fim de uma tarde de Verão é feito de gritos estridentes de grupos de crianças a brincar excitadas na distância. Uma vaga alucinação, um sonho a desfazer-se na memória, à medida que o calor desiste, os corações aceleram, a dopamina liberta-se com a perspectiva da noite, a adolescência do dia avizinha-se.

O fim de tarde de Verão salpica as cidades costeiras com grupos de crianças nómadas bronzeadas, vozes indistintas e risos desinibidos, caóticos, mas homogéneos de alguma maneira. Como os primeiros sons nos ouvidos de um viajante que acorda na gare de babel de uma cidade nova, num itinerário sonhado durante um ano de trabalho.

As brincadeiras dos grupos de miúdos num fim de tarde de Verão têm alguma coisa de cósmico, são a radiação fóssil de Verões câmbricos sedimentados na nossa memória colectiva. Por isso, quando atravesso o parque às sete da tarde, uma centelha de melancolia acende o crepúsculo, porque lembro-me dos fins de tarde que passei em Tróia, a correr e a brincar. Sem conseguir perceber porque é que os adultos perdiam tempo, lânguidos, a escorrer nas cadeiras das esplanadas. Como é que eles conseguiam estar sempre parados no mesmo lugar, quando existiam tantos espaços para explorar, tantos recantos a ficarem obscurecidos, a transpirar mistério.

Lembro-me de ter 8 anos, e percorrer Tróia inteira com os meus amigos, a brincar às Tartarugas Ninja. Cada um de nós, (depois de escolher e disputar as personagens que íamos ser), subimos a todas as torres de Tróia, a derrotar vilões imaginários, numa das melhores brincadeiras do Verão.

Estivemos desaparecidos durante horas, e quando voltamos apanhei um ralhete e um tabefe do meu pai, porque não avisamos que íamos brincar às Tartarugas Ninja. Também me informaram que teriam chamado a polícia para ir à nossa procura. O que mete medo a um miúdo.
A polícia estar à nossa procura são más notícias. Ainda hoje, qualquer de nós acharia inconveniente, se outra pessoa enviasse homens armados no nosso rasto. Começamos logo a sentir-nos culpados de coisas.

Foi um evento na linha do que aconteceu quando tínhamos 6 anos, e roubámos, repetidamente, ímanes nos supermercados.

O equivalente da altura disto:

Estavam a dar brindes destes com os iogurtes. E para mim, a marca que fizesse isso, era a minha marca de iogurtes. Queria lá saber que sabor o iogurte tinha, compra-me o o dos ímanes. Mas só davam um íman com cada 8 iogurtes... E nós começamos a roubá-los. Miúdos sem nada para fazer no corredor dos lacticínios, enquanto a mãe escolhe a marca do queijo, começam a mexer nas coisas... Não é como se nos orgulhássemos disso.... Mas queríamos os ímanes. E há um limite para a quantidade de iogurte que um corpo de 6 anos consegue tolerar.

Estes eventos deixaram os nossos pais perplexos, que pensaram que estavam a criar pequenos ladrões...

Nós não parávamos quietos, e as tardes eram feitas de jogos de tabuleiro e de brincadeiras ao ar livre.

Até ao meu pai me assobiar para jantar, e eu ir contrafeito para o apartamento a coçar as pernas da relva húmida, saltar o muro que dava acesso à varanda, tomar banho.

Porque é que idealizamos a nossa infância? Porque já aconteceu. Porque o que podia ter corrido mal, correu, e lembramos-nos do que tínhamos, e que era bom. Pelo mesmo motivo que idealizamos relações passadas. Gostamos do que conhecemos, e o que tem pouco potencial para nos surpreender dá-nos segurança, e nós gostamos disso.

Além de que a nossa infância foi um tempo controlado (mais controlado que a idade adulta). E tínhamos alguém a olhar por nós. A validar-nos com atenção e controlo.

Por isso, quando me sinto inseguro por ter trinta anos, e ter pensamentos que para todos os efeitos têm que ser considerados infantis, vou ouvir uma conversa entre adolescentes.

Não percebo nada do que eles dizem, não percebo nada do que eles gostam, e tenho noção que à medida que o tempo for passando, esta impressão se vai aprofundar.

Até eu começar a dizer que eles não prestam e não vão a lado nenhum. E se me quiser sentir velho, oiço a musica de que eles falam.


Para mim, isto é um jovem gago que oxigenou o cabelo, e que gosta mais de dinheiro que o tio patinhas. E deixou-se filmar a gaguejar, enquanto se esfregava em notas de dolar, por um amigo que estava a ter uma crise convulsiva. Além de que alguém o devia informar que o dinheiro pode servir para comprar telefones, mas não é possível fazer chamadas com maços de notas.

Estou certo que há uma metáfora brilhante que me escapa.

Acho que esta música podia ser usada para fazer com que os clientes se despachassem a arrear o calhau numa casa de banho de um restaurante com muita afluência. Mas 35 milhões de pessoas discordam.

O que é que eu sei?

4 comentários:

  1. Faz-me impressão passar atestados para cartas de condução a pessoas que tenham nascido depois de 1995.

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    1. Também acho. se alguem nasceu depois de 1995, devia andar de patins em linha, a comer um calipo e a esfolar os joelhos. Não tem que andar por aí a mostrar documentos oficiais que provam que tem 20 anos.

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  2. It´s not time to make a change...Just relax, take it easy.
    You are still young... That´s your fault. There ´s so much you have to know...
    I was once like you are now, and I know that´s not easy
    We will still be here tomorrow, but our dreams may not

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  3. And so did I.
    I used Cat Stevens, it seems to me that the subject is actual.

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