Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

domingo, 1 de março de 2015

Reality is just Bad Writing - or the Troperization of Reality

Ouço-o todos os dias.

"Estou constipado porque apanhei frio"

Causalidade.

Não que a causalidade não exista! Obviamente que existe, e tanto quanto sabemos a lógica do universo baseia-se na causalidade. Não é isso disso exactamente que estou a falar.
Estou a falar da maneira como percepcionamos a causalidade.
Ou melhor, como somos, geralmente, incapazes de a percepcionar. 


As mudanças importantes que acontecem à nossa volta frequentemente devem-se a tantos factores a interagirem de maneiras inesperadas durante tanto tempo que se torna quase impossível de prever.
O clima, por exemplo. O clima depende da interacção de todas as moléculas de ar e de água que estão na atmosfera ao mesmo tempo. Ou conhecemos a posição inicial e comportamento de cada molécula individual na atmosfera, ou então qualquer previsão que queiramos fazer nunca será mais do que uma tentativa de adivinhar.
Teoria do Caos. Borboletas e Tufões explicados pela matemática.

Porque na realidade a matemática é a única coisa que descreve com exactidão a realidade.

O melhor que se conseguiu durante muito tempo foi "Trovoada - Deus está zangado".
Era o melhor modelo explicativo que existia, e se se permitir uma grande margem de erro, até havia de acertar metade das vezes.



Ou seja, há mais factores do que aqueles que conseguimos processar, então inventamos atalhos, explicações que funcionem mais ou menos. Precisamos de modelos que nos permitam dar sentido aos acontecimentos. Um dos nossos preferidos é a causalidade, mais especificamente a narrativa.

Usamos a narrativa para explicar as coisa que nos acontecem.
Contamos histórias acerca das coisas. De tudo.

"Estou constipado porque apanhei frio". Uma causa e um efeito. É uma pequenina narrativa. 

A consciência humana é particularmente propensa à narrativa. É um caso de galinha e ovo. 
Será que foi a consciência humana que originou a narrativa ou a narrativa que moldou a consciência?

Desde sempre que contámos histórias uns aos outros. Foi assim que começou a cultura humana, foi assim que começámos a existir enquanto seres humanos. Tribos sozinhas numa caverna, à noite, à volta de uma fogueira, a contar histórias uns aos outros. A caçada, a tempestade, o leão, o nascimento, a morte, o que haveria a seguir à morte, deuses, demónios, heróis, lutas épicas do bem contra o mal.





A tradição oral, a cultura passada de boca em boca durante dezenas de milhares de anos, até que alguém finalmente inventasse LETRAS, definiu tudo o que éramos enquanto humanos.

Esses mitos primordiais, que ajudaram a construir a nossa consciência, determinam o nosso futuro ainda hoje.

Construíram-se pirâmides porque pessoas suficientes acreditaram em Homens-Deuses com poderes sobrenaturais que quando morriam precisavam de veículos celestiais que os guiassem para uma afterlife mística e divina.

You know i'm gonna talk about pyramids, right?

As pirâmides são o testemunho do poder do mito e da narrativa. São a prova do quanto se pode construir atrás de sonhos e magia.

Havia civilizações inteiras cujos Deuses iam em batalhas épicas contra as forças personificadas da Entropia



Reconhecemos com facilidade que os gregos e os romanos estabeleceram os fundamentos do que é hoje a cultura e a civilização ocidental, desde a noção de governo até à matemática e a filosofia, mas depois rimo-nos dos Deuses engraçados deles.

Mas essas religiões ERAM realidade. A magia e os deuses eram verdadeiros. Tanto que eles passavam o tempo a construir-lhes templos! E a gastarem inquantificáveis recursos e tempo e energia a adorarem histórias e ideias e mitos. Era isso que movia a civilização. A sociedade funcionava à custa desses mitos.




Ou seja... a narrativa é uma coisa muito mais de fundamento e base a tudo o que nós somos do que habitualmente lhe damos crédito. As melhores coisas que já fizemos até hoje, com as quais mais nos impressionamos, foram à custa de narrativa.

As pirâmides, o coliseu, a Capela Sistina, o Requiem do Mozart, o Midsummer's Night Dream do Shakespeare, a maioria das coisas mais bonitas que temos são feitas à custa de, e com base em, narrativa.




Passamos muito tempo a matar-nos uns aos outros, mas quando finalmente deixamos de o fazer durante 5 minutos conseguimos fazer coisas como as 4 Estações do Vivaldi.




Ou seja...

Começámos por contar histórias acerca das estrelas à volta de fogueiras que nos permitiam fazer sentido dum mundo grande e confuso, que nos davam alguma segurança perante uma realidade assustadora e com incontáveis factores, e essa ferramenta carregou-nos até onde estamos hoje.


In case you were wondering, the underpoint of all this is that the Bogey-Man is fueled by narrative, and that narrative/myth is used effectively by the Bogey-Man to keep people controlled


E ainda hoje, pouco mais fazemos do que continuar a contar histórias que nos ajudam a fazer sentido de um mundo confuso e com incontáveis factores.

"Estou constipado porque apanhei frio."

Vemos a nossa própria vida de uma perpectiva narrativista. Conseguimos narrar a nossa vida! Há conflitos e obstáculos, climaxes, protagonistas, secundários, vilões! E somos sempre o underdog da nossa própria narrativa pessoal! Somos sempre aquele que sofreu as adversidades e superou os obstáculos, e imaginamo-nos a ter grandes sucessos e a encontrar o amor conta todas as expectativas!

Por isso é que toda a gente adora o underdog nos filmes.



Estas pequeninas ideias narrativas, estes tropes, que nos acompanham desde sempre, e que ajudaram a construir a estrutura da nossa consciência, continuam a ser a melhor e talvez única ferramenta para lidarmos com o dia a dia. 
É por isso, mais uma vez que somos obcecados com a narrativa. É por isso que a vasta maioria da nossa arte, desde os livros, à música, ao cinema, jogos de computador, bandas-desenhadas, toda ela está centrada na narrativa.

E esta narrativa pode ser desmontada nas suas unidades individuais, que são os tropes. Qualquer narrativa consegue ser descrita recorrendo a tropes. E os tropes presentes nas obras consideradas boas e com sucesso são surpreendentemente coerentes e estáveis entre si e ao longo dos milénios.

Ou seja...

A narrativa faz parte da estrutura da nossa consciência, e a narrativa pode ser descrita em tropes.
Os tropes são a unidade narrativa da consciência humana.



É por isso que quando nos confrontamos com uma realidade descrita por números e matemática ficamos tão desiludidos e sub-impressionados. Esses momentos que fogem à narrativa cuidada que tínhamos construído confrontam-nos com o quão pouco controlo temos sobre o que nos acontece, sobre o mundo à nossa volta. Deixam-nos sem saber como reagir porque não são narráveis, e a melhor ferramenta que temos para reagir às coisas é a narrativa.

"Estou constipado porque as condições atmosféricas geradas por 1.09 x 10^44 moléculas atmosféricas (por extenso, 1.09 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 moléculas) todas a interagirem umas com as outras determinaram que neste lugar onde estou agora a temperatura média baixasse e isso fez com que as pessoas se juntassem mais em espaços fechados o que facilitou a disseminação de um rinovírus"

That's just some bad writing man, no one wants to hear that story!


"Estou constipado porque ontem à noite fiquei na rua a conversar com uma rapariga"

There you go




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