Pataniscas Satânicas

Pataniscas Satânicas

quinta-feira, 19 de julho de 2012

American Pie - Parte I

Já há muito tempo que ando para escrever este post, e sinceramente aquilo que me tem impedido é sentir-me intimidado pela enormidade da tarefa, pelo medo de não estar à altura do desafio:
- interpretar a canção American Pie, de Don McLean.

Já há anos que obceco com esta canção, já a ouvi dezenas de vezes, já li a letra uma quantidade igual de vezes e ainda assim encontro coisas novas.

Inevitavelmente fiz batota e fui ler coisas à internet e obviamente descobri que já muitas pessoas tinham feito exactamente o mesmo que eu queria fazer, mas melhor. Um dos melhores sites que encontrei é este. É uma análise detalhada e maravilhosa, e o que quer que eu escreva não vai ser de todo original.
Faço-o para me divertir, como a maioria das coisas.

Esta é uma canção de amor à música dos anos 60. É uma trova (e o Don McLean é o trovador) acerca da história da música, usando metáforas para representar as principais personagens, e contar uma epopeia de como a música mudou tanto e tão depressa naqueles anos musicalmente fantásticos.
É inevitavelmente também uma história da América, de como cresceu e perdeu sua inocência do pós-guerra.

A long long time ago
O Narrador, que podemos assumir seja o próprio Don McLean, começa mesmo com o clássico "há muito, muito tempo", reforçando a ideia de que está a contar uma Estória.

I can still remember how
That music used to make me smile
And I knew if I had my chance
That I could make those people dance
And maybe they'd be happy for a while

O Narrador relembra nostalgicamente um tempo em que a música o fazia sorrir, em que a música era alegre e as pessoas eram felizes com ela. Há um saudosismo assumido. O Narrador refere-se aos anos '50, que passará a descrever na segunda estrofe.

But February made me shiver
With every paper I'd deliver
Bad news on the doorstep
I couldn't take one more step

Há menção a más notícias que que chegam em Fevereiro, e que afectam profundamente o Narrador. A imagem profundamente americana do jovem a entregar jornais de porta em porta.


I can't remember if I cried
When I read about his widowed bride
But something touched me deep inside
**The day the music died**
So

A noiva enviuvada, acerca de quem o Narrador lê nos jornais que entrega, indica-nos de quem terá sido a morte que tanto o transtorna. Buddy Holly, um dos mais importantes nomes do Rythm n' Blues (o precursor do Rock n' Roll) e figura incontornável da música dos anos '50, morre no dia 3 de Fevereiro de 1959, num acidente de avião no qual viajavam também Ritchie Vallens e o The Big Bopper. Este dia ficaria conhecido na altura e para a posteridade como o Dia Em Que A Música Morreu.


[Chorus]
Bye, bye Miss American Pie
Drove my Chevy to the levee but the levee was dry
Them good ole boys were drinking whiskey in Rye
Singin' this'll be the day that I die
This'll be the day that I die

O Refrão dá-nos informação importante acerca do tema da música. As imagens tipicamente americanas da tarte, do chevrolet, os bons velhos rapazes a beberem à saúde de Buddy Holly e a parafrasearem o título de uma das suas canções "That'll be the day that i die".



Did you write the book of love
And do you have faith in God above
If the Bible tells you so?

Nesta estrofe o Narrador mostra-nos a época dourada da qual se sente tão saudosista: a América dos anos '50. Um lugar cheio de religião e amor, povoado por uma crença quase ingénua em Deus, só porque a Bíblia assim o diz.
Now do you believe in rock and roll?
Can music save your mortal soul?
And can you teach me how to dance real slow?

Nesta América o Rock And Roll surgia como algo em que se podia acreditar com o mesmo fervor, e era ainda algo de puro, capaz de salvar a alma de quem acreditasse. Era uma época das danças lentas, de adolescentes castos e infantis. A linguagem e o simbolismo religioso surgem na canção, não pela última vez.



Well, I know that you're in love with him
Cause I saw you dancin' in the gym
You both kicked off your shoes
Man, I dig those rhythm and blues

Mais imagética Americana dourada dos anos '50. Era um tempo de romances adolescentes, de danças nos ginásios das escolas, onde os dançarinos tinham de dançar de meias para não riscar o pavimento encerado, ao som do Rythm and Blues.


I was a lonely teenage broncin' buck
With a pink carnation and a pickup truck
But I knew I was out of luck
The day the music died
I started singin'
[Chorus]

O Narrador identifica-se a si mesmo como tendo vivido nesses tempos áureos, usando imagens de sexualidade (o cravo rosa e a carrinha pick-up). No entanto sabia que esses símbolos iam deixar de lhe valer no dia em que a música morresse.


Now, for ten years 

Aqui o Narrador coloca-nos muito claramente no ano de 1969 (tendo anteriormente dado a referência de 1959) e é dessa perspectiva que conta o resto da história.

we've been on our own, And moss grows fat on a rolling stone
But, that's not how it used to be
Estamos sozinhos desde a morte dos ícones do Rythm and Blues. Numa brincadeira de palavras com a expressão "o musgo não cresce numa pedra rolante" o Narrador identifica o cantor Bob Dylan, herói popular e discutivelmente o inventor e revolucionador do Folk Rock, música de intervenção do início dos anos '60 e a primeira pedrada no charco de uma música que corria o risco de não evoluir depressa o suficiente. No entanto essa Pedra Rolante fica gorda e o musgo cresce-lhe em cima. Mas nem sempre as coisas foram assim. 


When the jester sang for the king and queen
In a coat he borrowed from James Dean
And a voice that came from you and me

Aqui o "jester" ou o "bobo da corte" identifica Dylan, o Rei não pode ser senão o Rei do Rock and Roll Elvis Presley. A rainha não tinha na altura um equivalente (talvez a Aretha Franklin).
O casaco que Bob Dylan usa é uma referência a um dos seus albuns que propositadamente referencia uma famosa foto de James Dean, e cimenta a imagem de Dylan como um rebelde e um revolucionador que canta com a voz do povo e da sua geração.

Oh and while the king was looking down
The jester stole his thorny crown

The courtroom was adjourned
No verdict was returned
Reforçando a ideia de uma Corte Real da música, o Narrador diz-nos que Bob Dylan roubou a coroa espinhosa da fama a Elvis Presley. Dylan viria a destronar Elvis como impulsionador do Rock, numa verdadeira luta de gerações. Luta essa que não tinha resolução fácil.


And while Lenin read a book on Marx
The quartet practiced in the park
And we sang dirges in the dark
The day the music died
We were singin'
[Chorus]
Num jogo de palavras brilhante, o Narrador diz-nos que o panorama musical e cultural se estava a tornar politicamente complexo. As obras de Karl Marx foram influências importantes na revolução social de Vladimir Lenine. "Lenin" é, interessantemente, homófono de "Lennon", o que reflecte também a crescente politização de John Lennon e a complexificação musical que os Beatles sofreram durante a primeira metade dos anos '60.

Dada a referência de John Lennon, o Quarteto refere-se obviamente aos Beatles, e o Parque será provavelmente Candlestick Park, onde dariam o seu último concerto.
Enquanto tudo isso acontecia, o Narrador e a sua geração, cantavam canções de pesar pelo dia em que a música morrera.



Sem comentários:

Enviar um comentário